DORMINDO COM O INIMIGO
A SUBNOTIFICAÇÃO DO ESTUPRO CONJUGAL NOS FORMULÁRIOS DE AVALIAÇÃO DE RISCO
DOI:
https://doi.org/10.29327/1163602.7-302Palavras-chave:
ESTUPRO CONJUGAL, SUBNOTIFICAÇÃO, ESTEREÓTIPOS DE GÊNEROResumo
O objeto da pesquisa é a ocorrência de estupro conjugal, relações sexuais não consentidas no âmbito de relações de afeto, fenômeno invisibilizado, mas constantemente revelado por mulheres vítimas de violência doméstica. O atendimento das mulheres que relatam terem sido submetidas a práticas sexuais não consentidas pelo parceiro íntimo indica a presença de sofrimento, aliado à dificuldade por elas apresentada de nominar os atos como forma de violência. O estupro é a mais grave violência contra a dignidade sexual, incentivada por estereótipos de papéis sexuais e a posição social da mulher. No estupro conjugal a intimidação ocorre pelo uso da violência psicológica, com uma mescla de sentimentos culpa, obrigação, medo. O corpo da mulher é encarado como propriedade do homem, sobre o qual ela pode dispor como e quando quiser, retirando autonomia da mulher sobre o seu desejo sexual. Decorre desse cenário a relevância temática diante da invisibilidade da dificuldade de denunciar e investigar esse delito subnotificado, o que reforça estereótipos de gênero. O objetivo do estudo é avaliar se a incidência de relação sexual sem consentimento entre mulheres que requereram medida protetiva de urgência é compatível com a estimativa de subnotificação do estupro conjugal. A metodologia do presente estudo é o levantamento bibliográfico sobre estupro nas relações íntimas e as causas relacionadas à subnotificação. Ainda, o percurso metodológico perpassa por uma pesquisa empírica documental para levantamento quantitativo dos dados, no período de 01/01/2021 a 31/12/2021, dos formulários de avaliação de risco anexos aos pedidos de medidas protetivas online da capital Campo Grande do Estado do Mato Grosso do Sul. Os dados foram solicitados via ofício à Coordenadora de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher do Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul, no qual as medidas protetivas de urgência tramitam de forma eletrônica. Solicitou-se as respostas das solicitantes à pergunta "o agressor já obrigou você a ter relações sexuais ou praticar atos sexuais contra sua vontade?", constante no item 4 do Formulário Nacional de Avaliação de Risco. As novas ferramentas para mensuração da violência doméstica e familiar permite verificar que muitas mulheres são vítimas de estupro conjugal, mas não denunciam formalmente a violência, o que demanda também uma análise interseccional pelas categorias de raça, classe social, entre outras múltiplas discriminações. As hipóteses iniciais demonstram que cerca de 30% de denúncias não são formalizadas, apesar das mulheres indicarem que foram submetidas a manter relações forçadas no relacionamento afetivo. A percepção dessa subnotificação demonstra como a desigualdade de gênero está presente nas relações afetivas e o débito conjugal ainda é visto como uma obrigação da mulher. Ademais, os dados levantados confirmam a dificuldade apresentada pelas mulheres de identificar a relação sexual não consentida pelo parceiro íntimo como violência, já que quase 10% das mulheres responderam não saber se já foram obrigadas a ter relações sexuais ou praticar atos sexuais contra sua vontade. A pesquisa pretende lançar luzes sobre o estupro conjugal, que exige maior conscientização das mulheres e o aperfeiçoamento do sistema de justiça criminal pela perspectiva de gênero.