PROCESSO ESTRUTURAL E PROCESSO DEMOCRÁTICO
DESAFIOS NA IMPLEMENTAÇÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS
DOI:
https://doi.org/10.29327/1163602.7-407Resumo
A fruição dos direitos fundamentais pela integralidade dos brasileiros persiste como promessa inadimplida da Constituição de 1988. De acordo com o “Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil” (PENSSAN, 2022), no ano de 2022, 125,2 milhões de pessoas convivem com a insegurança alimentar, o que corresponde a 58,7% da população do país. Diante dessa realidade, que não é exclusiva do período pandêmico, embora nele radicalizada, universidades e tribunais brasileiros têm estimulado o desenvolvimento de estudos naquilo que a literatura processual norte-americana do século XX e brasileira da atualidade tem chamado de “processo estrutural”. A “estruturalidade” dessa forma de resolução de controvérsias consistiria no enfrentamento de um “estado de desconformidade” caracterizado pela resistência obstinada da realidade hostil imposta a milhões de brasileiros, que se veem afastados do gozo de direitos previstos na própria lei fundamental. Observa-se a formação de um consenso entre processualistas das regiões nordeste, sul e de parte do sudeste do país, segundo o qual as decisões emitidas nos processos estruturais imprimiriam racionalidade na gestão dos recursos públicos e tenderiam a maximizar a efetividade dos direitos fundamentais, já que a flexibilidade procedimental e a inexistência de adstrição entre pedidos das partes e decisão do juiz, tipologias do processo estrutural (DIDIER, 2020), seriam facilitadoras da tutela dos direitos pelas autoridades. Os problemas identificados são dois. O primeiro é que a primazia da decisão sobre o processo que a enseja parece, em verdade, suscitar a exclusão dos destinatários normativos da construção de seus próprios destinos jurídicos (THIBAU, 2020). O segundo problema consiste na impossibilidade de que a decisão estruturante seja racional nela mesma, porquanto os estudos de Karl Popper (MILLER, 1967) e de Leal (LEAL, 2002), assinalam que a racionalidade está no processo construtivo do provimento final e não na própria decisão. A hipótese correlata aos problemas anteriormente descritos consiste na afirmativa de que o chamado “processo estrutural” produz um ambiente institucional completamente infenso à fiscalização da atuação das autoridades, bem como que, por constituir uma desmetodologização ostensiva do direito, não se reveste de originalidade nem promove ganhos sistêmicos de efetividade nos Direitos Fundamentais. O marco teórico selecionado é a Teoria Processual Neoinstitucionalista do Direito que, na perspectiva metodológica do Racionalismo Crítico e preocupada com o alcance dos Direitos Fundamentais, promove a estabilização destes em nível instituinte do direito, de forma a impedir que sejam mitigados pela manipulação semântica da normatividade. O marco teórico enunciado, ao postular a criação de um código de fiscalidade institucional (LEAL, 2018), permite a auto inclusão do destinatário normativo na fruição dos direitos fundamentais e sua auto ilustração sobre os fundamentos do sistema jurídico, realizações que estabeleceriam condições de aferição dos ganhos sistêmicos de direitos. Há, portanto, no referencial de análise escolhido, a possibilidade de se indagar se o processo estrutural alcança seus objetivos ou se produz efeitos colaterais que militam em desfavor de seus propósitos anunciados. Busca-se, portanto, estabelecer fronteiras entre o processo estrutural e o processo inserido na lógica democrática.