A FACE OCULTA DA LIBERDADE TESTAMENTÁRIA
A POSSIBILIDADE DE PERPETUAÇÃO DA DESIGUALDADE DE GÊNERO POR MEIO DA DISTRIBUIÇÃO DA HERANÇA
Palavras-chave:
LIBERDADE TESTAMENTÁRIA, DESIGUALDADE DE GÊNERO, SUCESSÃOResumo
Não há dúvidas de que um dos relevantes papéis do Direito na atualidade é a perseguição da igualdade. Não uma igualdade em sentido meramente formal, mas material, efetiva, nos mesmos moldes idealizados pela lógica aristotélica. Exatamente por isso, os ordenamentos jurídicos democráticos, na tentativa de adequação às normas de Direitos Humanos, vêm buscando adequar suas legislações para extirpar as desigualdades negativas. Apesar disso, no âmbito do direito das sucessões, a liberdade testamentária conferida ao autor da herança, poderá ser fonte de desigualdade negativa, violando, dessa maneira, não só o sistema jurídico interno no âmbito dos Direitos e Garantias Fundamentais como, também, o externo, no âmbito dos Direitos Humanos. Sob essa perspectiva, é necessário averiguar quais os impactos promovidos pela liberdade testamentária na perpetuação da desigualdade de gênero, sendo esse, o problema a ser enfrentado na presente pesquisa. Apesar de ser pouco explorado, o estudo do tema justifica-se em razão de sua relevância, na medida em que, a liberdade para testar pode ser capaz de perpetuar o patriarcado capitalista, possibilitando a continuação da propriedade – e, consequentemente, o controle da riqueza –, apenas pelos homens. Para além disso, embora o direito das sucessões esteja no campo do direito privado, é necessário reconhecer que a mensagem transmitida ao se possibilitar uma indiscriminada diferenciação de gênero na transmissão patrimonial post mortem é socialmente relevante, transcendendo o campo privado, sendo imprescindível o seu debate, inclusive, no que tange aos aspectos de formação da identidade do sujeito, que é parcialmente moldado pelo reconhecimento social ou pela ausência dele. O objetivo do presente trabalho é, pois, verificar, “se” e “como” a transmissão patrimonial post mortem tem impactado a busca pela igualdade de gênero nos países que admitem a liberdade testamentária. A pesquisa não se limita, apenas, aos países que possuem ampla liberdade testamentária, abordando, também aqueles que instituem uma coexistência entre a sucessão necessária e a liberdade testamentária, como é o caso, por exemplo, de Brasil e Portugal. Para tanto, utilizar-se-á o método de pesquisa bibliográfica, analisando não só a legislação como, também, a doutrina e a jurisprudência dos países pesquisados. Preliminarmente, a título conclusivo, é possível constatar que nos países onde há ampla liberdade testamentária, é possível identificar a existência de preterição de gênero na sucessão mortis causa, principalmente no que tange à transmissão de empresas e grandes latifúndios. No Brasil, onde há a coexistência entre a sucessão necessária e a liberdade testamentária, um interessante quadro se apresenta: nas famílias proprietárias de terras ou empresas, mesmo sendo garantida a legítima aos herdeiros necessários, na prática, parece manter-se, a tradição romana de copropriedade familiar, de maneira que as mulheres ainda são submetidas, em alguma medida, ao poder do herdeiro eleito para gerir o patrimônio, havendo uma verdadeira dissonância entre a lei e a prática e, consequentemente, uma perpetuação dos meios de produção em mãos masculinas.