ALIMENTAÇÃO, TRABALHO PRISIONAL E DIREITOS HUMANOS

DESAFIOS E ESTRATÉGIAS DE RESISTÊNCIA DE MULHERES PRESAS

Autores

  • Everton Luiz Simon Universidade de Santa Cruz do Sul

Palavras-chave:

ALIMENTAÇÃO, TRABALHO PRISIONAL, DIREITOS HUMANOS, MULHERES, CÁRCERE

Resumo

O presente trabalho examina a interseção entre alimentação, trabalho prisional, políticas e direitos humanos, com ênfase nas condições alimentares, insegurança alimentar e fome de mulheres presas em um presídio feminino. Através de procedimentos etnográficos e diversos instrumentos de coleta de dados, exploramos semanalmente as experiências alimentares, marcadas pela escassez e qualidade questionável dos alimentos fornecidos, entrelaçadas em suas memórias e histórias de vida. A pesquisa foi realizada no complexo prisional estadual feminino de Rio Pardo/RS – Brasil, envolvendo 44 mulheres. Trabalhamos diretamente com 6 cozinheiras e 33 mulheres participaram da avaliação antropométrica/nutricional e responderam ao questionário sobre percepções alimentares. Os dados foram sistematizados, categorizados e analisados por meio da análise textual discursiva. As experiências em colaboração com as cozinheiras revelam estratégias de resistência e adaptação, apesar das condições adversas. Elas enfrentam desafios diários na produção de alimentos, improvisando cardápios com poucos insumos e sem acompanhamento especializado. O cardápio torna-se repetitivo e insuficiente em nutrientes essenciais, refletindo a falta de investimento estatal em alimentação, com gasto médio inferior a R$ 11 por detenta/dia. Elas desenvolvem estratégias criativas para superar a escassez e melhorar a qualidade das refeições, apoiando-se em saberes e experiências culinárias do pré-cárcere para preparar alimentos de maneira diversa e palatável. A qualidade da comida servida por elas é vista por 64% das consumidoras como satisfatória; contudo, 84% apontam o que observamos: um cardápio repetitivo, rico em carboidratos e gorduras, com poucas fibras e proteínas. Portanto, a fome no cárcere se manifesta de formas distintas: parcial, na escassez de alimentos ou na falta de autonomia para escolher o que comer; e total, na ausência ou em jejum forçado devido à má qualidade da comida. Essa inadequação alimentar resulta em problemas graves de saúde, como obesidade e sobrepeso. Os dados indicam que 72% das mulheres ganharam peso desde que foram encarceradas, com 34% em sobrepeso, 27% com obesidade grau I, 21% obesidade grau II e 12% obesidade grau III. Apenas 6% das mulheres estavam em estado nutricional ideal. A falta de um profissional em nutrição agrava esses problemas. As condições de fome e insegurança alimentar no sistema prisional são reforçadas por legislações e normativas ineficazes. Embora a Lei de Execução Penal assegure o direito à alimentação suficiente e adequada, na prática, as refeições servidas não atendem aos requisitos nutricionais básicos. A Resolução n° 14 do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária e a Nota Técnica n° 17 de 2020, que destacam a necessidade de supervisão nutricional, não são efetivamente cumpridas. Esta pesquisa evidencia que a má qualidade da alimentação nas prisões brasileiras é um reflexo do descaso com a dignidade humana. A fome, seja parcial ou total, é uma forma de punição adicional para as mulheres privadas de liberdade. Estratégias para melhorar a qualidade alimentar no cárcere são urgentes, incluindo, a presença de nutricionistas e a implementação de políticas públicas que garantam uma alimentação balanceada e adequada. A garantia de direitos humanos básicos, como a alimentação de qualidade, é essencial para promover um ambiente prisional mais justo e humanizado.

Publicado

02.10.2024

Edição

Seção

SIMPÓSIO On41 - OLHARES PARA AS VIOLAÇÕES DE DIREITOS HUMANOS NO SISTEMA PRISION