POSSES MANSAS E PACÍFICAS E SENTIDOS DE LEGITIMIDADE

GESTOS DE ANÁLISE SOBRE A LEI DE TERRAS DE 1850 E A LEI DE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA DE 2009

Autores

  • Alessandra Stefanello Unicamp
  • Caroline Fazio Universidade Estadual de Campinas

Palavras-chave:

POSSE, LEGITIMIDADE, LEI DE TERRAS, REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA, DISCURSO JURÍDICO

Resumo

Este trabalho trata de uma análise discursiva materialista acerca da significação da designação mansas e pacíficas, recorrente em duas das principais leis de regularização da propriedade privada de terra nos duzentos anos do Brasil como país independente: a Lei de Terras de 1850 (Lei nº 601/1850) e a Lei de regularização fundiária das ocupações de terra na Amazônia Legal (Lei nº 11.952/2009).  A Lei de Terras de 1850 é a primeira legislação no tocante à comercialização de terras, isto é, a partir dela, instituiu-se e formalizou-se a propriedade privada de terra, revalidou as terras em sesmarias, regularizou as terras de posseiros e subsidiou a política de imigração. Nesse sentido, a Lei de Terras voltou-se à regularização das posses espalhadas pelo território brasileiro, designadas de mansas e pacíficas, sem Cartas de Sesmarias, instituindo procedimentos de demarcação e requisitos para obtenção de título legal. A questão da regularização da posse atravessou os séculos posteriores e os debates agrários sobre o direito à terra e a criminalização da ocupação. Tendo em vista o vasto território brasileiro ainda pouco ocupado para fins agrícolas, durante a ditadura militar no Brasil, políticas foram implementadas para estimular a ocupação da região amazônica, com a promessa de emissão de títulos de terra. No entanto, somente em 1999, o governo iniciou ações efetivas de recadastramento de imóveis rurais. Com a persistência da indefinição fundiária, em 2009, no governo de Luís Inácio Lula da Silva, foi lançado o programa Terra Legal, um programa específico para titulação de terras na Amazônia Legal, que mais tarde, em 2017, passou a integrar a Lei de Regularização Fundiária rural e urbana. Em ambas as legislações recém citadas, a formulação mansas e pacíficas designa as ocupações legítimas, aptas a serem reconhecidas por título legal. Diante do exposto, tomar a Análise materialista de Discurso para mobilizar um olhar discursivo para/sobre o arquivo jurídico é produzir gestos que desestabilizam os encaixes sintáticos e desnaturalizam os sentidos postos como já dados acerca do que se significa como ocupação/posse legítima no discurso jurídico, por meio da designação mansas e pacíficas. É a partir da tomada de posição materialista, que entende-se o sentido como sempre determinado em relação a, ou seja, o aspecto material da língua se constitui, sobretudo, atravessado pela exterioridade. Assim, o texto da/na lei não é encerrado em si mesmo, nem tomado como averso aos processos sociais e ideológicos. Nossa pesquisa recai, justamente, em como os sentidos de legitimidade postos em circulação nos textos de ambas as leis produzem regularidades que retomam discursividades sobre sujeitos legítimos à terra.

Biografia do Autor

Caroline Fazio, Universidade Estadual de Campinas

Possui graduação em Letras - Língua Portuguesa pela Universidade Estadual de Campinas (2021) e mestrado em Linguística pela Universidade Estadual de Campinas (2023). Atualmente, é doutoranda em Linguística pela mesma Instituição.

Publicado

02.10.2024

Edição

Seção

SIMPÓSIO On134 - TERRA E PODER, A LUTA SOCIAL DOS SUJEITOS INDIVIDUAIS E COLETIV