RAZÃO E INSENSATEZ NA ODISSEIA, DE HOMERO E EM ULYSSES, DE JAMES JOYCE

CONTRIBUIÇÕES DA LITERATURA PARA O REFORÇO DO MECANISMO CONTRAMAJORITÁRIO COMO FORMA DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS

Autores

  • André Luiz Gardesani UNESP

DOI:

https://doi.org/10.29327/1163602.7-417

Palavras-chave:

Direitos humanos, Princípio majoritário, Mecanismos contramajoritários, Odisseia, Ulysses

Resumo

Este estudo aborda confluências e interlocuções entre direito e literatura na Odisseia, de Homero e em Ulysses, de James Joyce, notadamente no que se refere à necessidade de prevalecimento da racionalidade sobre paixões temporárias ou desejos de maiorias passageiras que comprometam o conteúdo substancial dos direitos humanos na ordem interna dos Estados constitucionais. Adota como ponto de partida a metodologia oferecida pelos teóricos do Law and Literature Movement, especialmente por François Ost, cujos estudos conduzem à percepção do direito como narrativa (“direito contado”) e à valorização das narrativas fundadoras como fontes do direito. A Odisseia, de Homero, como obra de expressão da memória de um passado glorioso, pode ser considerada o primeiro grande poema épico da literatura ocidental que consubstancia uma narrativa fundadora e o romance Ulysses, de James Joyce, ao reinventar a personagem mítica de Homero, reconta e reescreve algo digno de transmissão. Homero retratou aspectos importantes a respeito da necessidade de prevalecimento da razão em face de desejos circunstanciais. Especialmente na Odisseia, o canto XII relata as proezas do astucioso Odisseu para não sucumbir ao sedutor canto das Sereias, mediante o estabelecimento, com base na razão, de um pré-compromisso com toda a tripulação. Na estrutura homérica de Joyce, episódio paralelo ao das Sereias pode ser encontrado no capítulo XI da obra (cf. esquema de Gilbert), no qual Leopold Bloom é submetido às tentações de duas sedutoras garçonetes, Miss Douce e Miss Kennedy, sob a música inebriante do bar do famoso Ormond Hotel. A passagem revela uma série de elementos associados à fuga de Bloom do local, que assim como Odisseu, resiste às tentações e mantém incólume o compromisso de regresso ao lar. Jon Elster, em Ulysses and the Sirens, enfatizou que a ordem de Odisseu equivale ao compromisso prévio que assembleias constituintes estabelecem para tutelar a Constituição. A resistência individual de Bloom poderia ser associada à auto-restrição da Constituição diante de atentados contra a esfera da fundamentalidade dos direitos humanos. Dessa forma, o objetivo geral do estudo consiste em demonstrar como o estatuto ficcional da literatura, representado pelas obras de Homero e Joyce, pode suscitar importantes debates sobre a propagação de mecanismos contramajoritários modelares, a partir de normas que delimitem o espaço decisório, como forma de tutelar direitos humanos, sobretudo em momentos de crise democrática. Por meio dos ensinamentos de Jorge Miranda sobre a função contramajoritária dos direitos humanos, de Robert Alexy sobre a “metáfora da moldura” e o espaço de atuação do legislador infraconstitucional e de Ronald Dworkin sobre a “teoria da parceria”, que alberga a ideia de igualdade e de um autogoverno coletivo, pretende-se alcançar a necessária e premente ponderação entre o princípio majoritário, que constitui o cerne da democracia e a supremacia da Constituição, o fundamento do Estado de direito. Como resultado final, obter-se-á a ampliação e fusão dos horizontes do direito e da literatura, sobretudo por meio de reflexões sobre a necessidade de superação de episódicos interesses majoritários que atentem contra direitos humanos de grupos vulneráveis e minoritários.

Publicado

31.12.2022