As Diferentes versões para o português do Tratado de Marraquexe e seus impactos na definição dos beneficiários
DOI:
https://doi.org/10.29327/1163602.7-361Palavras-chave:
Visão, Deficiência, Acessibilidade, Livros, LusofoniaResumo
A presente pesquisa tem por objeto abordar a influência do idioma português no alcance do Tratado de Marraquexe para facilitar o acesso às obras publicadas às pessoas cegas, com deficiência visual ou com outras dificuldades para aceder ao texto impresso. Adotado na capital do Marrocos em 27/6/2013, pela Conferência Diplomática da Organização Mundial da Propriedade Intelectual, o diploma entrou em vigor em 30 de setembro de 2016, três meses após o depósito do vigésimo instrumento de ratificação, o do Canadá. Em 19 junho de 2022, já conta com 89 Estados-Partes, incluindo quatro da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa: por ordem crescente de depósito do instrumento de aceitação, Brasil (11/12/2015), Portugal (enquanto integrante da União Europeia, 1º/10/2018), Cabo Verde (22/2/2019) e São Tomé e Príncipe (15/10/2020). Além destes, Moçambique, signatário (22/8/2013), já aprovou internamente o texto do tratado por meio da Resolução n.º 10/2021. A pesquisa se justifica pelo fato de o português não ser um dos seis idiomas dos textos autênticos do Tratado (árabe, chinês, espanhol, francês, inglês e russo), o que, em tese, permite que coexistam diferenças redacionais juridicamente relevantes nas versões vigentes para os Estados-Partes lusófonos. Nesse sentido, os objetivos deste trabalho são identificar essas eventuais diferenças em relação aos preceitos do Artigo 3 do Tratado e analisar suas repercussões na delimitação de seus benficiários nos ordenamentos internos dos integrantes da lusofonia. A metodologia adotada é descritiva e qualitativa, baseada em coleta de dados legislativos na Internet, e em revisão de literatura em matéria de Direito Internacional dos Direitos Humanos. A hipótese testada é a de que, a depender das escolhas da tradução oficial, descuidos em relação ao emprego de expressões consagradas na Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde podem ser interpretados de modo a limitar a eficácia subjetiva das disposições do Tratado. Os resultados obtidos confirmam essa hipótese, identificando dois grandes modelos entre as quatro versões ora disponíveis na rede mundial de computadores. O primeiro, integrado por Portugal, São Tomé e Príncipe e Moçambique, mais próximo ao do texto autêntico em língua inglesa, adota, na alínea “b” do Artigo 3, as expressões “incapacidade/dificuldade [...] de percepção ou de leitura que não possa ser melhorada” e “função visual substancialmente equivalente”. O segundo, integrado pelo Brasil, adota as expressões “deficiência de percepção ou leitura que não possa ser corrigida” e “acuidade visual substancialmente equivalente”. Considerando-se que “funções da visão” (CIF b210) é gênero do qual “funções da acuidade visual” (CIF b2100) é espécie, conclui-se que, diante das diferenças identificadas, na República Federativa do Brasil, a interpretação meramente gramatical da alínea “b” do artigo 3 do Tratado, conforme a previsão do anexo ao Decreto Legislativo n.º 261/2015 e do anexo ao Decreto n.º 9.522/2018, pode atrair a responsabilização internacional, por configurar barreira a obstruir o exercício pleno e efetivo do acesso ao texto impresso de pessoas com comprometimentos nas funções do campo visual (CIF b2101) e de qualidade de visão (b2102), conforme já se constata no regulamento aprovado por meio do Decreto n.º 10.882/2021.