O ESTIGMA DA MULHER PERDIDA

UMA ANÁLISE DO ENCARCERAMENTO FEMININO SOB A PERSPECTIVA DO “LABELLING APPROACH” E DAS NORMAS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS

Autores

  • Maria Eduarda Lopes Pontifícia Universidade Católica de Campinas

Palavras-chave:

ENCARCERAMENTO FEMININO, EXECUÇÃO PENAL, LABELLING APPROACH, CRIMINOLOGIA CRÍTICA, DIREITOS HUMANOS

Resumo

O sistema carcerário brasileiro se encontra em um estado de falência anunciada, estando a pena privativa de liberdade, longe de alcançar as quiméricas finalidades de prevenção e ressocialização, no centro do processo de estigmatização social do preso. Dentro do âmbito do encarceramento feminino esse processo de estigmatização é ainda mais profundo. Sobre a figura da mulher encarcerada recai a histórica noção de “mulher perdida”, a qual é vista não apenas como transgressora da lei, mas também como transgressora dos princípios morais fundamentais da condição feminina. A mulher presa encontra no cárcere uma espécie de “punição em duplicidade”, sendo de um lado punida pela transgressão às normas jurídicas, e do outro por infringir as normas de gênero, de feminilidade e do dever de cuidado estabelecidos na sociedade. Tal estigma ultrapassa os limites do cárcere e aprisiona a mulher a uma verdadeira “morte social”, minando o processo de ressocialização diante dos efeitos da estigmatização da formação social do status do desviante. Conforme explica a teoria do etiquetamento, a rotulação do indivíduo como “criminoso”, fenômeno que constitui uma das direções de análise do “labelling approach”, qual seja a do “desvio secundário”, fomenta a mudança de status de identidade social da pessoa presa, consolidando sua identidade desviante perante a sociedade. Desse modo, a mulher presa passa a ser vista em detrimento do seu comportamento “desviante”, rotulado como tal por grupos detentores do poder de decisão para definir: i) quais crimes devem ser perseguidos e ii) quais pessoas devem ser perseguidas. A mulher presa está submetida não apenas ao estigma da dupla transgressão - das normas jurídicas e das normas de gênero - mas também a agressões e privações sistemáticas e institucionalizadas dentro do cárcere, além da privação inicial da sua liberdade, constituindo as chamadas “sobrecargas punitivas”. Nesse contexto, devido ao estigma de “mulher perdida”, são vistas como “merecedoras” dessa violência, que transpõe os limites da pena e esvazia o princípio de prevenção do sistema penal. O presente trabalho se justifica pela imprescindibilidade do estudo do encarceramento feminino em massa e suas consequências sociopolíticas, especialmente considerando o expressivo aumento do número de mulheres presas no Brasil nos últimos anos. Atrelado a isso se observa a centralidade da temática de gênero nos estudos contemporâneos do encarceramento e da criminologia crítica. Nesse contexto, através da utilização do método hipotético-dedutivo, o presente trabalho busca identificar como o fenômeno da dupla punição da mulher no cárcere representa uma nova conjuntura no paradigma do etiquetamento. Para isso, será realizado um estudo bibliográfico da obra de autores da criminologia crítica, especialmente expoentes do paradgima criminológico do “labaling approach”, e da criminologia feminista, sobretudo os conceitos desenvolvidos na obra de Angela Davis. Por fim, serão analisadas, por meio de um estudo documental de normas internacionais dos sistemas regional e global de direitos humanos, especialmente a Convenção de Belém do Pará, as Regras de Bangkok e as Regras de Nelson Mandela, as principais diretrizes de proteção aos direitos da mulher presa e da mulher egressa.

Publicado

03.10.2023

Edição

Seção

SIMPÓSIO On62 - EXECUÇÃO PENAL E DIREITOS HUMANOS