CIDADANIA ÍNTIMA E LIBERDADE RELIGIOSA COMO DIREITOS HUMANOS RESTRITOS AOS HETEROSSEXUAIS

O EVANGELICALISMO COMO CERCEADOR DE DIREITOS E COMO SUBVERSÃO

Autores

  • Marianne Faulstich Universidade de Coimbra

Palavras-chave:

heteronormatividade, homofobia, código de honra evangélico, teologia inclusiva, positivismo-fundamentalista

Resumo

Quando discutimos número de filhos, adoção, direito ao casamento e sucessão, poucas controvérsias surgem no âmbito da heterossexualidade. Da mesma forma, quando pensamos em liberdade religiosa pouco é questionado em se tratando de indivíduos cisgêneros e heterossexuais. Entretanto, esse pacifismo se encerra quando analisamos sexualidades não normativas, à medida em que temas como o casamento, a adoção e a escolha religiosa integram um cenário de ampla disputa e muitas violações. Escolhas íntimas é a denominação dada por Plummer para o que comporia a cidadania íntima. E essa cidadania ligada à intimidade recebe maior resistência quando os indivíduos que lhe fazem jus são de orientação sexual ameaçadora à tradição cristã heteronormativa. Appiah nos auxiliará a compreender o cenário evangélico como uma comunidade de honra, que é validada e reforçada pelo reconhecimento dos pares. Por conta do código de honra ser tão valioso para essas comunidades, a teologia queer ou inclusiva tem se demonstrado como uma forte aliada para a subversão dessa tradição e construído brechas na homofobia que tomou conta dos discursos evangélicos. Observamos que, no Brasil, tanto LGBs evangélicos quanto pastores que ousam se aliar ao acolhimento da homossexualidade tem sofrido grande perseguição religiosa, com sucessivas tentativas de manutenção do poder hegemônico da heterossexualidade compulsória com constrangimento e forte repressão aos subversivos que resistem à essa binariedade construída que insiste em opor o cristianismo à homossexualidade. Muitos desses debates ainda são sustentados pelo patriarcado e os rígidos papéis de gênero sustentados por alguns religiosos. Se Rubem Alves defendia uma religião que libertasse ao invés de aprisionar, tradições evangélicas tem usado do fundamentalismo religioso para aprisionar a fé evangélica à heterossexualidade e tem se demonstrado como cerceadoras de direitos humanos, além de atuarem como resistência à cidadania íntima desses indivíduos. Não existe hegemonia mais perigosa do que a que impõe vulnerabilidade, violência e silenciamento aos dissonantes, pois dela derivam as origens do totalitarismo. Ao propor a desconstrução dessa binariedade que opõe homossexuais do evangelicalismo, não ignoramos o quanto a tradição cristã e evangélica tem sido instrumentalizadas para a homofobia, mas partimos dos relatos de indivíduos que saíram do armário evangélico e que foram impelidos a escolher entre sua sexualidade ou fé, uma escolha que violenta e subjuga-os, arbitrariamente, como pecadores e excluídos da graça de Deus. Esse discurso condenatório serve aos ideais da heteronormatividade evangélica e impede a construção de uma cultura evangélica de paz e respeito a diversidade. O deus construído e sustentado pela tradição evangélica destoa do Deus amoroso, que se sacrificou para acolher o mundo como ele é. Este artigo está longe de ser proselitista, mas desconstruir os ideais da heteronormatividade evangélica e do positivismo-fundamentalista em busca do espírito por trás da norma religiosa se tornou urgente, e uma força de oposição frente as violações que tem ocorrido à população LBG em igrejas evangélicas.

Publicado

17.01.2022