OBSTÁCULOS À DEMARCAÇÃO DAS TERRAS INDÍGENAS ENQUANTO NEGAÇÃO PELO ESTADO DA DIGNIDADE HUMANA ÀS COMUNIDADES TRADICIONAIS
Palavras-chave:
direitos humanos, biopolítica, indigenatoResumo
O presente trabalho almeja apresentar, por meio de revisão crítica de literatura, da análise da legislação e jurisprudência brasileira, assim como de decisões e recomendações internacionais, reflexões sobre o reconhecimento e a demarcação das terras indígenas, povos originários, enquanto direito humano e fundamental. Da mesma forma, pretende desenvolver fundamentos para justificar o pluralismo de forma concomitante à própria instituição do indigenato, como instrumento de emancipação em relação aos efeitos da colonização geopolítica e biopolítica, que limitam a existência, a cultura e o próprio movimento dos povos originários. O direito de propriedade coletiva dos povos originários é um direito originário, legitimo em si mesmo, preexistente à própria ordem constitucional. São direitos, portanto, supraestatais e, por isso, não podem ser analisados, julgados, alienados e eliminados de acordo com a vontade do Estado. O conceito de imunidade possui relação intrínseca com a negação ou privação do direito à vida que emerge com a figura do Estado Moderno, ao confundir a soberania do povo com a figura de indivíduos isolados, resultando na crise do sujeito coletivo que não só privatiza, mas priva, pela produção da morte ou pela exposição a riscos, do “desenvolvimento” aqueles que não se enquadram em seu projeto, manipulando a memória e a opinião pública por meio de politicas mercadológicas, extremamente capitalistas e por isso, em sua essência, muitas vezes racistas, extrativistas e falaciosas. As terras tradicionalmente ocupadas pelos originários são direitos naturais, anteriores, mesmo, ao conceito de propriedade privada traduzido por qualquer dicionário. Os conflitos, ainda existentes, contra os “índios” brasileiros, que na maioria das vezes envolvem grandes latifundiários, comprovam a expulsão, relocamentos forçados e o extermínio de comunidades inteiras, endossados, conforme documentos apresentados pela Comissão Nacional da Verdade, pelo próprio Estado. A clandestinidade e a violência da civilização branca contra os povos originários são obstáculos ao reconhecimento de suas reivindicações, suas tradições, à história e à verdade. Corriqueiramente, a questão da demarcação das terras indígenas no Brasil é analisada pelos órgãos estatais como se se tratasse de uma questão possessória, com conceitos estabelecidos pelo código civil ou direito privado. As pretensões de homogeneidade mantidas pelo monopólio estatal rompem com outras expressões de pluralidade existentes, que já foram reconhecidas, inclusive formalmente, no período colonial pela Carta Régia de 30 de julho de 1611. Apresenta-se, portanto, um conflito epistemológico sobre o conceito de direito e uma análise crítica dos direitos humanos enquanto conquistas e limites ao poder do Estado, que ao exercer o poder de forma discricionária, retira do povo a característica que lhe é inerente, a soberania. É preciso que as relações jurídicas reestabeleçam os direitos originários que foram usurpados dos povos indígenas, pois enquanto direito originário e ao contrário da ocupação possessória, o indigenato não depende de legitimação e essa ressignificação a partir dos povos originários defende, também, outros direitos humanos que propiciam dignidade, como o direito à memoria e à verdade.