FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE E DESAPROPRIAÇÃO DE BENS IMÓVEIS
O QUE ESTÁ ENCRIPTADO?
Palavras-chave:
Encriptação, Constituição, Indenização, PosseResumo
Com a Constituição Federal de 1988 a função social da propriedade (artigo 5º, XXII e XXIII) passa a ter um valor central no ordenamento jurídico. A mudança de olhar é tão representativa que, além de apresentar-se como garantida do direito à moradia, pelo efetivo uso do solo, também está caracterizada como princípio da ordem econômica e livre concorrência (art. 170, II, III e IV), como pré-requisito da reforma urbana (artigo 182, §2º) e condicionante de caracterização do imóvel rural (artigo 186). Mas em que medida essa mudança repercute na forma com que o Poder Público (Estado) reconhece utilidade pública para fins de desapropriação? Com fundamento na Teoria da Encriptação de Poder – TEP, de Ricardo Sanín Restrepo, a pesquisa objetiva discutir como o poder discricionário – presente, em especial no Decreto-Lei 3.365, de 21 de junho de 1941, que regula a desapropriação por utilidade pública de áreas urbanas e rurais – é utilizado com o aval do direito para neutralizar os efeitos potenciais da lei, na medida em que referido decreto-lei apresenta como pressuposto para o recebimento da indenização a comprovação da propriedade sobre o bem desapropriado. Sujeitos que não possuem título dominial, a despeito de cumprirem função social em suas ocupações, ficam impedidos de acessar a indenização prévia, justa e em dinheiro, igualmente garantida no texto constitucional. Utilizando-se da vertente jurídico-sociológica, a pesquisa jurídico-propositiva demonstra que, apesar de ser a posse exteriorização da propriedade e, por conseguinte, instrumentalização de sua função social, ainda há certa mitificação da força legal do registro de propriedade como única prova de titularidade do bem, hierarquizando a relação entre posse e propriedade, mesmo quando a Constituição não o faz, ao invés de considera-las complementares. A hipótese aqui apresentada é de que a validação da previsão constitucional não se concretiza no plano infraconstitucional, já que o sentido de legalidade adotado para sua materialização, na verdade, a neutraliza, pois posse não registrada é posse não indenizada, ainda que cumprida a função social. Apresenta-se como resultado parcial da pesquisa a constatação, sob a ótica da TEP, do simulacro de validação dessa complementaridade posse e propriedade, que se traduz em vários momentos, em decisões dos tribunais superiores ou abordagem doutrinária sobre o tema. Assim, sustenta-se a simulação da função social da propriedade como elemento estruturante do Estado de Direito, a partir do sentido de legalidade atribuído pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça em matéria de indenização resultante de processos de desapropriação por utilidade pública de bens imóveis.