O DILEMA DA PROTEÇÃO DE DIREITOS HUMANOS UNIVERSAIS EM FACE DAS PECULIARIDADES DA CULTURA DOMINANTE
UM ESTUDO DA JURISPRUDÊNCIA DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS
Keywords:
SISTEMA INTER-AMERICANO DE DIREITOS HUMANOS, DIVERSIDADE CULTURAL, JURISPRUDÊNCIA, GÊNERO, POVOS ORIGINÁRIOSAbstract
As Américas são um continente plural e multicultural. Dessa forma, é desafiador definir suas características sem cair em armadilhas como o essencialismo, por exemplo. No entanto, devido às raízes comuns da colonização e ao sólido apego à religiosidade, é possível identificar padrões culturais dominantes de conservadorismo e de negação das desigualdades estruturais que perpassam os países da região. Esse quadro de pensamentos está na base de discriminações estruturais, como a racial e a de gênero. Além disso, a América Latina ainda lidera o ranking de homicídios intencionais por habitante, tendo as maiores taxas do mundo (21,20/por 100.000, enquanto a média mundial é de 5,61/por 100.000). Mesmo a América do Norte está acima da média nesta medida, com 6,02 mortes intencionais por 100.000 habitantes por ano. Soluções violentas para resolução de conflitos são, inclusive, frequentemente utilizadas pelas forças do Estado e de outros grupos paramilitares para disputa e manutenção de relações de poder. Estes fatores, dentre outros, constituem a tônica do tipo de violações dos direitos humanos que os americanos enfrentam cotidianamente e acabam por fazer parte da cultura predominante da região. Nesse contexto, em 1948, a Organização dos Estados Americanos criou o Sistema Interamericano de Direitos Humanos (SIDH) com a árdua missão de ajudar a reverter esse cenário. Para tanto, os órgãos do sistema tiveram que se posicionar contra as elites dominantes dos Estados, não fazendo deferência às alegações de relativismo cultural, que corroborariam a situação existente. Isto não significa que o sistema ignore o multiculturalismo ou os costumes tradicionais das minorias. Pelo contrário, estes aspectos culturais são reforçados para defender os grupos oprimidos das práticas e ideologias dominantes que os mantém numa posição subalterna. Este artigo tem como objetivo demonstrar por que e como é possível afirmar que o Sistema Interamericano de Direitos Humanos (SIDH) não demonstra condescendência com a cultura dominante ao tempo que em se preocupa em proteger a diversidade de culturas minoritárias do continente. Começar-se-á por clarificar o conceito de cultura e discutir algumas das suas principais características nas Américas. Mais uma vez, não caberia a este trabalho esgotar os pormenores da cultura da região, pelo que se selecionará os padrões dominantes considerados influentes no domínio dos direitos humanos. Em seguida, será explicado o contexto do surgimento do SIDH e como a cultura o afetou. Por fim, o artigo analisa a jurisprudência relativa a diferentes domínios da proteção dos direitos humanos, como os direitos das mulheres e de povos originários, a fim de verificar se o confronto com a cultura predominante se encontra difundido ao longo da história da instituição. Como resultado, concluiu-se que as decisões analisadas corroboram a hipótese de que o SIDH tem se mostrado um importante ator na desconstrução de aspectos culturais opressores nas Américas.