LIBERDADE DE EXPRESSÃO, RACISMO RECREATIVO E A JUSTIÇA BRASILEIRA
QUANDO A BRANQUITUDE FALA MAIS ALTO
Keywords:
Racismo recreativo, Injúria racial, Discurso jurídico, BranquitudeAbstract
Este trabalho tem por objetivo analisar aspectos sobre racismo recreativo e injúria racial presentes nas narrativas e nos discursos violentos e preconceituosos revestidos de comicidade. Toma-se como corpus de análise uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) brasileiro contrária à decisão do Ministério Público de São Paulo, que condenava um ator de comédia stand-up, a retirar do ar, via plataforma YouTube, shows que contivessem “arquivos de vídeo, imagem ou texto, com conteúdo depreciativo ou humilhante em razão de raça, cor, etnia, religião, cultura, origem”, além de outras restrições (RECLAMAÇÃO 60.382, SP). O STF entendeu que restrições e proibições quanto à liberdade de expressão e à atividade profissional do comediante configuraram censura prévia por parte do Ministério Público. Percebe-se que o viés branco da justiça brasileira não considera discriminatórias as produções culturais racistas (MOREIRA, 2019). Trazemos também para esta pesquisa a Lei de Injúria Racial (Lei 14531/2023) que tipifica como crime de racismo a injúria racial, prevê pena de suspensão de direito em caso de racismo praticado no contexto de atividade esportiva ou artística e prevê pena para o racismo religioso e recreativo e para o praticado por funcionário público no Brasil. Desta forma, o presente trabalho se debruça sobre questões raciais presentes em produções humorísticas com o intuito de promover diversão, trazendo à luz aspectos da branquitude e da epistemologia branca que permeiam a legislação nacional a respeito do tema. Schucman (2014) postula que o branco não somente é favorecido na estrutura racializada, mas também é produtor dessa estrutura. Para Bento (2022), a ideologia racial produz um certo nível de alívio entre os brancos, pois se isentam de qualquer responsabilidade pelos problemas sociais dos negros, mestiços e indígenas no Brasil. Esse raciocínio vai ao encontro do pensamento de Carneiro (2023) sobre o dispositivo da racialidade que inferioriza o negro intelectualmente anulando-o como sujeito. Para isso, utilizamos como referencial teórico-metodológico teorias de análise do discurso em uma perspectiva antropológica e etnometodológica abordando conceitos de entextualização e contextualização (BAUMAN e BRIGGS, 1990; BRIGGS, 2007; BLOOMAERT, 2001 e 2005) com o intuito de buscar entendimentos sobre os discursos que viajam pelos documentos jurídicos quando o assunto é a agressividade presente nas narrativas que se dizem humorísticas, mas que trazem violências raciais e um riso discriminatório, e de que forma esses temas estão sendo tratados na seara do Direito. Mais especificamente nesta pesquisa, nota-se que o “humor negro” e o racismo recreativo (MOREIRA, 2019) ainda são tratados como casos de liberdade de expressão conforme se observa na decisão do STF aqui analisada, mesmo que a legislação brasileira preveja os crimes de racismo e injúria racial. Observa-se também o racismo como tecnologia de poder que torna possível o exercício da soberania, por meio do biopoder (Foucault, 1988), da necropolítica (Mbembe, 2018).