DE QUE VALE A LEI?
UMA ANÁLISE JURÍDICA DA CONDIÇÃO FEMININA ATRAVÉS DE LIMA BARRETO
Palavras-chave:
Direito e Literatura, Policarpo Quaresma, História BrasileiraResumo
O presente trabalho pretende analisar a condição da mulher brasileira no início do Século XX através da Crônica “A Lei” de Lima Barreto. Ele trata de uma mulher que se divorcia do marido, com quem tinha uma filha. Porém, a viúva engravida de uma outra pessoa e, para não perder a guarda da filha, tenta o aborto, que fracassa. A parteira comete suicídio pelo medo da lei que lhe iria assujeitar. Através do recorte histórico, semelhanças são percebidas na contemporaneidade: apesar de ter havido a desconstrução patriarcal no Direito, a sociabilidade brasileira ainda reproduz hábitos machistas. A consequência da preservação desses costumes é o crescimento de crimes contra a mulher. A metodologia de abordagem será a hipotético-dedutiva, partindo da hipótese de que o cenário retratado por Lima Barreto, em sua crônica, permanece, simbolicamente, vivo na contemporaneidade. Os métodos de procedimento serão os históricos e comparativos. As normas jurídicas utilizadas estarão de acordo com a redação original do Código Civil de 1916 e com o Código Penal de 1890, demonstrando como o nascimento do Direito no Brasil esteve relacionado com o domínio dos corpos femininos. Segundo o art. 395 do CC/1916, o pai ou a mãe perderia a guarda do filho em três casos: se o castigasse de forma imoderada; se o abandonasse; e caso praticasse atos contrários à moral e aos bons costumes. O inciso II do art. 233 no CC/1916 legitimava o domínio completo do patrimônio da esposa pelo seu marido. O art. 393 do CC/1916 infere que a mãe divorciada e que queira casar novamente perderá o pátrio poder de seu filho, caso este tenha sido fruto do casamento anterior. Assim sendo, a mãe, ao se divorciar e querer se relacionar com outra pessoa, deve-se ter a ciência da perda da guarda de seu filho. O medo da perca da guarda da criança no caso da crônica estaria relacionado com a atribuição imoral à gravidez fora do casamento. A única solução para conter quaisquer ojerizas públicas seria, logo, o aborto, criminalizado pelo art. 300 do CP/1890. Entretanto, a tentativa de aborto falha, e a mãe morre. A parteira passa a ser tida como assassina pela população, a lei a persegue, e diante do desconhecimento jurídico, comete suicídio. Portanto, a crônica “A Lei” de Lima Barreto evidencia uma sociedade patriarcal onde o Direito assume o papel de legitimar o domínio e controle dos corpos femininos. A impossibilidade de requisitar auxílio jurídico por parte da mulher do início do século XX no Brasil demonstra seu silenciamento. O suicídio da parteira e morte da mãe por querer permanecer com a guarda da filha exponencia a biopolítica do ordenamento jurídico, fruto de um Estado patriarcal. A partir da análise histórica e jurídica, pretende-se com o estudo urgir uma crítica ao patriarcado por meio do Direito, além de reconhecer na contemporaneidade as similitudes simbólicas, como o crescimento dos casos de feminicídio. Para além de uma mudança jurídica, entende-se que é preciso uma mudança cultural que fragmente com os hábitos preservados do Brasil Colônia.