(IN)JUSTIÇA ECOLÓGICA

O PLANTIO DE TRANSGÊNICOS NA TERRA INDÍGENA XAPECÓ

Autores

  • CARLOS HUMBERTO PROLA JUNIOR UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA

Palavras-chave:

JUSTIÇA ECOLÓGICA, MULTICULTURALISMO, DIREITO INDÍGENA, ESTADO PLURIÉTNICO, TRANSGÊNICOS

Resumo

A Terra Indígena (TI) Xapecó, localizada no Oeste de Santa Catarina, é a mais populosa do Estado, com cerca de 6 mil indígenas da etnia Kaingang. Trata-se de grupo em intenso contato com a sociedade envolvente e cujo território apresenta uma extensa área propicia à agricultura mecanizada, a qual, desde a atuação do extinto Serviço de Proteção aos Índios (SPI), têm sido objeto de arrendamento para não-indígenas e, nos últimos anos, destinada ilegalmente ao plantio de soja transgênica – organismo geneticamente modificado (OGM). Os muitos milhões de reais de produção de grãos a cada safra, contudo, tem beneficiado algumas poucas famílias indígenas – que detém maior poder dentro da TI – e, principalmente, os produtores rurais não-indígenas. Tal situação não apenas conflita diretamente com normas constitucionais e legais, mas também com a especial relação dos povos originários com suas terras e recursos naturais, vistos como centrais a sua identidade coletiva e seu bem-estar (Buen Vivir). Nessa perspectiva, a terra não é vista como um simples meio de produção, ou uma commodity a ser explorada, mas um elemento com valor intrínseco, relacionado a uma forma de vida.  Diante desse contexto, o artigo analisa em que medida recente ação proposta por uma parcela dos indígenas da TI Xapecó (Autos nº 50005683520224047202 da Justiça Federal da Chapecó/SC), que busca autorização judicial para o plantio de transgênicos naquele território, afronta preceitos de uma teoria ecológica de Justiça, fundada numa interpretação contextualizada dos direitos fundamentais.  A hipótese da pesquisa considera que, para além da mera violação a norma legal impeditiva (art. 1º da Lei nº 11.460/2007) e a direitos de grupo do povo Kaingang, essa ação também contraria preceitos de uma Justiça Ecológica, fundada em uma interpretação contextualizada do direito ao meio ambiente assegurado pelo art. 225 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88). Nesse sentido, descreve os principais direitos de grupo assegurados aos povos indígenas pelo sistema jurídico estatal brasileiro, no âmbito do estado pluriétnico consagrado pela CRFB/88, em especial a consulta livre, prévia e informada e a posse coletiva da terra tradicionalmente ocupada. De outro lado, identifica e descreve os principais aspectos de uma teoria ecológica de Justiça, segundo inovações legislativas ocorridas nos últimos anos na América Latina e na jurisprudência das cortes da região, segundo uma interpretação contextualizada dos direitos fundamentais. Com base nesse referencial teórico, realiza um estudo de caso, analisando os principais aspectos da ação proposta por indígenas Kaingang, buscando autorização judicial para o plantio de transgênicos na TI Xapecó, e avalia em que medida essa ação viola direitos de grupo assegurados pela CRFB/88 e preceitos de uma teoria ecológica de Justiça, como o princípio in dubio pro natura, que demanda posturas de prevenção e precaução; a necessidade de proteção de ecossistemas não-humanos – o território tradicionalmente ocupado pelos Kaingang da TI Xapecó –; bem como a necessidade de representação adequada de todos os envolvidos, dando voz efetiva à comunidade Kaingang, da presente e das futuras gerações.

Publicado

02.10.2024

Edição

Seção

SIMPÓSIO On63 - DIREITOS HUMANOS: RELAÇÕES SOCIAIS E DIREITO ANTIDISCRIMINATÓRIO