SUL BRANCO, DESASTRE NEGRO

VIDAS NUAS NAS INUNDAÇÕES DO RIO GRANDE DO SUL - 2024

Autores

  • Magali Zilca de Oliveira Dantas Justiça Federal do Rio Grande do Sul

Palavras-chave:

DESASTRE CLIMÁTICO, DESIGUALDADE RACIAL, DIREITOS HUMANOS, NECROPOLÍTICA, POLÍTICAS PÚBLICAS

Resumo

O artigo propõe um exercício teórico-prático de aproximação com resultados de estudos sobre a gestão ambiental local da cidade de Porto Alegre e região metropolitana no Estado do Rio Grande do Sul, região sul do Brasil na enchente de maio de 2024 e a literatura sobre políticas públicas. Entre o final de abril e a metade de maio de 2024 choveu o equivalente ao esperado para todo o quadrimestre na região, tendo sido atingidas 409 cidades das 491 do estado meridional, impactando mais de 2 milhões de pessoas. O desastre de maior proporção já registrado na região desalojou 160 mil pessoas, sendo 48 mil acolhidas em abrigos. Cinco das seis estações de água da capital deixaram de operar, milhares de pessoas ficaram sem abastecimento de energia elétrica entre 5 e 30 dias, 5 rodovias foram interditadas e o aeroporto internacional fechado por tempo indeterminado. Para cotejar as evidências qualitativas resultantes da ação pública local frente à emergência e à calamidade climática, foram escolhidos dois estudos. O primeiro é a análise do relatório do Observatório das Metrópoles que explicita os impactos das enchentes na população pobre e negra do Rio Grande do Sul. O relatório propõe uma sobre preposição cartográfica das áreas inundadas com os dados de concentração de pessoas negras, a despeito de a região sul ser a segunda menor em população negra no país. O documento se apoia, também, em dados de renda média do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística -IBGE. Esses registros apontam para uma apreciação de evidências de que pessoas pobres e negras foram afetadas desigualmente pelo desastre climático. A segunda fonte foram os dados produzidos portal Pauta Pública e pelo Observatório do Clima que entregam um mapeamento contundente sobre as omissões e ações deletérias dos agentes públicos na gestão ambiental tanto preventivamente quanto em ações de defesa civil e resgate. Isto que abarca normas e regulação, desmantelamento da governança de organizações de tratamento pluvial em desacordo com a realidade climática e ausência de planos de contingência frente às inundações. A pesquisa exploratória se vale da análise documental para explicitar como sucessivas perdas de direitos relegam às vidas pobres e negras da região - e quiçá de todo o país - o status de sacrificáveis no sentido de Agamben. Da análise de tais dados se pode depreender que a omissão governamental local e sua associação com interesses de viés neoliberal provocam a dilapidação da estrutura e das capacidades do Estado, criam e reproduzem violações sistemáticas dos Direitos Humanos e consistem numa verdadeira política de morte que ceifa, como se quer provar, de maneira mais intensa a vida e a dignidade das pessoas negras e pobres intensificando as desigualdades estruturais no Brasil.

Publicado

02.10.2024

Edição

Seção

SIMPÓSIO P29 - DIPLOMACIA DE SUSTENTABILIDADE, POLÍTICAS PÚBLICAS DE VULNERABILI