DIREITOS CULTURAIS E EXCLUSÃO DISCURSIVA
A TRADIÇÃO INQUISITORIAL E A LÓGICA DA PRODUÇÃO DE DOCUMENTOS PÚBLICOS
Palavras-chave:
Direitos Culturais, Exclusão Discursiva, Tradição Inquisitorial, Etnografia DocumentalResumo
Trata-se de pesquisa de projeto de pós-doutoramento intitulada “A CPI da Funai/Incra e as imbricações para o reconhecimento de direitos territoriais e culturais na política nacional” conduzida pela autora no Programa de Pós-Graduação em Direito, mediante concessão de bolsa de Fixação de Jovem Doutor (CNPq/Faperj) na Universidade Veiga de Almeida. O projeto em tela está inserido no bojo do Projeto CNE “A análise do discurso jurídico-político dos julgamentos históricos do Supremo Tribunal Federal”, desenvolvido desde 2021 pelo Prof. Dr. Rafael Mario Iorio Filho, ambas propostas integradas ao Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia/Instituto de Estudos Comparados em Administração de Conflitos (INCT/InEAC). Neste texto, tomo para análise a centralidade do papel do relator da Comissão Parlamentar de Inquérito da Fundação Nacional do Índio e do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (CPI da Funai/Incra), instaurada pelo Congresso Nacional Brasileiro, em 2015, para investigar a atuação de antropólogos, quanto à utilização de critérios de demarcação de terras indígenas e de quilombos, apurando causas e efeitos dos pressupostos conflitos sociais e fundiários nos processos de demarcação territoriais. Ao destacar a validade e importância da CPI como instrumento “preparatório à produção de normas ou à tomada de medidas que permitam alterar um determinado estado de coisas”, seus membros convergiram suas ações no sentido de desregulação das legislações já existentes relacionadas à flexibilização de normas ambientais e à negação de direitos culturais no Brasil. A lógica do contraditório (categoria que estrutura a interpretação jurídica e que está pautada na desqualificação da argumentação do outro com a intencionalidade de vencer o debate, afastando-se da produção do consenso) que está presente nos documentos produzidos pelos membros da CPI permitem compreender as atitudes performáticas (Iorio Filho, 2021) que remetem a uma exclusão discursiva, mobilizada enquanto prerrogativa do Estado de manter apenas a versão do discurso que lhe interessar. A prática inquisitorial (Kant de Lima, 1989) dirigiu a produção e reprodução de certezas e “verdades” que orientaram, fora da esfera judicial, a produção de um cenário político-econômico de flexibilização de regras em beneficiamento de grandes empreendimentos econômicos. Ao me dedicar ao exercício da etnografia documental, pensando os documentos para além de um simples repertório de arquivos, ou de um catálogo dos catálogos, contraponho a noção de arquivos à função de sistemas institucionalizados e hegemônicos que relevam esquemas interpretativos consagrados por mecanismos de instâncias de poder, para compreender quais são os limites das práticas de poder estatal no Brasil e pensar quais são as dimensões que se entrelaçam e que se agregam, segundo interesses, compromissos e agendas que se constituem para além do interesse público. (Almeida, 2008) Os resultados coligidos até a fase atual da pesquisa permitem afirmar que a CPI atingiu direitos culturais de populações tradicionais, desqualificando a ciência e criminalizando os pesquisadores. (O’Dwyer, 2018; Santos, 2021; 2022) A relevância deste estudo centra-se no modo com a CPI do Congresso nacional se apropria de dispositivos de natureza essencialmente estratégia para produzir relações de poder como dispositivo político que afetam negativamente direitos territoriais, ambientais, culturais, inclusive individuais e coletivos.