ENTRE ACESSO E DECESSO

O USO DA RECLAMAÇÃO CONSTITUCIONAL EM SUBSTITUIÇÃO À COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO E O RISCO AO ACESSO À JUSTIÇA PELO TRABALHADOR NO BRASIL

Autores

  • Fernando Melo Gama Peres Universidade Estadual Paulista (UNESP), Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Franca

Palavras-chave:

acesso à justiça, competência jurisdicional, justiça do trabalho, reclamação constitucional, terceirização ou pejotização

Resumo

A Constituição Federal brasileira estabelece como garantia fundamental o acesso à justiça, assegurando, no artigo 5º, inciso XXXV, a não exclusão de lesão ou ameaça a direito de apreciação pelo Poder Judiciário. A garantia de acesso à justiça avança além da simples intervenção judiciária para resolução de conflitos, abrangendo a necessidade de uma prestação jurisdicional adequada, célere e efetiva. Este direito fundamental, essencial ao Estado Democrático de Direito e à própria noção de cidadania, motiva a criação de órgãos judiciários especializados, como a Justiça do Trabalho, competente para julgar, de forma adequada e efetiva, demandas oriundas de relações de trabalho. Nos últimos anos, tem se percebido a (sobre)utilização da Reclamação Constitucional, ação relacionada ao sistema de precedentes brasileiro, direcionada ao Supremo Tribunal Federal, em matéria trabalhista. O objeto da pesquisa é o uso dessa “estratégia processual” como meio de revisão de decisões da Justiça do Trabalho pela Corte Constitucional, especialmente em casos sobre reconhecimento do vínculo de emprego em situações de terceirização ou pejotização. O objetivo é compreender como esse fenômeno pode afetar a garantia constitucional de acesso à justiça pelo trabalhador. Para o estudo, adota-se, como método de procedimento, a técnica de pesquisa bibliográfica em materiais publicados e, como método de abordagem, o dedutivo, buscando conclusões específicas a partir de um referencial teórico amplo. Inicialmente, tem-se como hipótese haver um crescimento na utilização desse instrumento processual da forma indicada, baseado em observações cotidianas. Além disso, outra hipótese é de que o uso da Reclamação Constitucional provocaria a revisão de decisões da Justiça do Trabalho, desconsiderando-se a análise material de sua competência exclusiva. Isso poderia, em tese, inibir a garantia de acesso à justiça, tornando a jurisdição da Justiça do Trabalho inócua, pois suas decisões em matéria de pejotização ou terceirização passam a ser revistas e reformadas por outro órgão. A relevância do estudo está na fundamentalidade do direito de acesso à justiça do trabalhador. A Justiça do Trabalho, enquanto ramo judicial especializado, materializa a intenção de conferir real acesso à justiça ao trabalhador, pelo julgamento adequado e efetivo das demandas relativas às relações de trabalho. O eventual esvaziamento da competência da Justiça do Trabalho, pela “estratégia” estudada, tem o potencial de, em tese, inibir o poder-dever da jurisdição. O estudo encontra-se em desenvolvimento e não possui conclusão definitiva. Contudo, preliminarmente, verificou-se, de 2017 a 2023, o aumento proporcional de decisões em Reclamações relacionadas à terceirização ou pejotização de aproximadamente 4,59 vezes. Dentre as Reclamações efetivamente julgadas pelo Supremo Tribunal Federal em matéria de terceirização ou pejotização, a maioria promove a reversão da decisão da Justiça do Trabalho. A conclusão parcial confirma a hipótese inicial de que a Reclamação Constitucional tem sido utilizada efetivamente para revisão e reversão de decisões de competência da Justiça do Trabalho por outro órgão. Neste engenho, resta compreender como o aparente decesso da Justiça do Trabalho, quanto ao reconhecimento do vínculo de emprego em situações de terceirização ou pejotização, afeta a garantia fundamental do trabalhador-cidadão de, efetivamente, acessar a justiça.

Publicado

02.10.2024

Edição

Seção

SIMPÓSIO On104 - A REGULAÇÃO DO TRABALHO HUMANO NA PERSPECTIVA DO TRABALHO DECEN