O COMBATE PRÁTICO-NORMATIVO À VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA MULHERES EM PORTUGAL
Palavras-chave:
violência doméstica, vitimização feminina, violência de género, princípio da igualdadeResumo
O tipo legal de violência doméstica em Portugal é destituído de diferenciações em função do sexo: o agressor e a vítima são-no, independentemente do sexo de cada um destes. Por força do princípio constitucional da igualdade, e da estrita necessidade de se identificarem motivos fortes que justifiquem um tratamento diferenciado, impõe-se, à partida, um tratamento não discriminatório. Saindo do patamar da norma para a auscultação da realidade, constata-se que os números são claros em termos de segmentação por sexo: vítimas maioritariamente do sexo feminino e agressores em grande medida do sexo masculino (Relatório Anual de Segurança Interna [RASI], 2023, p:14). O objeto desta investigação, é o de averiguar a (in)adequação dos instrumentos normativos materiais e processuais de que a vítima dispõe para enfrentar a violência doméstica, designadamente quando a mesma (como esmagadoramente acontece) advém de relações de intimidade heterossexuais, pautadas por uma vitimização esmagadoramente feminina, numa realidade social em que o crime de violência doméstica entre cônjuges ou situações análogas é aquele que tem um maior número de participações (RASI, 2023, p:5). Ou seja, a um tipo legal que parece ser imune a considerações de sexo, corresponde uma realidade evidente de violência de género. A relevância do tema sob investigação prende-se com uma certa divergência que se reconhece entre a letra da lei e as constatações que advêm da realidade estatística, e o que daí poderá resultar em termos de eventuais carências de proteção legal às vítimas. Urge averiguar que instrumentos normativos estão à disposição de vítimas mulheres (de agressores homens), quando se confrontam com a prática dos factos tipificados e daí decorre a necessidade de se protegerem e de participarem na perseguição penal, sem vitimizações acrescidas e não necessárias. Sendo o figurino jurídico-material, por definição, não dirigido a vítimas mulheres, há que sinalizar se os demais instrumentos normativos à disposição da vítima são igualmente indiferenciados em função do sexo, ou se têm critérios de diferenciação e se essa diferenciação é suficiente e adequada à proteção das vítimas (mulheres), sendo este o objetivo desta investigação. Em termos metodológicos, propomo-nos proceder à análise documental desses mesmos instrumentos e averiguar de que modo dão uma resposta capaz às vítimas mulheres (de agressores homens), ou se os critérios aparentemente impostos pelo princípio da igualdade, acabam por ser aplicados também nesta sede e, eventualmente, prejudicar quem efetivamente carece de proteção legal. A nossa hipótese inicial equaciona até que ponto as opções normativas adotadas redundam num prejuízo daqueles (daquelas!) que, por estarem mais vulneráveis, mais carecem da proteção legal. Os resultados expectáveis, ainda em construção, vão no sentido de que, pese embora a consciência de que há instrumentos normativos que acautelam – até certo ponto – a diferença (a proteção específica de vítimas mulheres), não o fazem de modo ostensivo ou, provavelmente, suficiente. A questão que perpassa toda esta investigação ainda está sob indagação: até que ponto o princípio da igualdade, quando mal ponderado e legislado, redunda no aprofundamento das desigualdades que a lei, reconhecidamente, quer combater, e apenas serve para revulnerabilizar o vulnerável.