A USURPAÇÃO DA ATIVIDADE DE POLÍCIA JUDICIÁRIA PELA POLÍCIA MILITAR COMO ÓBICE À CONSTRUÇÃO DO PROCESSO PENAL DEMOCRÁTICO
Palavras-chave:
POLÍCIA MILITAR, INCOMPETÊNCIA, INVESTIGAÇÃO CRIMINAL, PROCESSO PENAL DEMOCRÁTICOResumo
A Constituição Federal de 1988 estabeleceu de forma estrita a divisão das competências das polícias, nos termos do seu art. 144, competindo às polícias civil e federal o exercício da função de polícia judiciária, observadas as respectivas regras de competência para a investigação sobre infrações criminais. As polícias militares possuem a competência para realizar a atividade de polícia ostensiva, de preservação da ordem pública e exclusivamente a apuração de infrações penais militares. Conquanto a separação de funções das polícias seja explícita e restritiva, aproveitando do discurso punitivista do populismo penal e da visibilidade pública em razão da sua função originária de polícia ostensiva, paulatinamente as polícias militares têm usurpado a função investigativa das polícias civis, com o aval do Ministério Público e do Judiciário. Cada vez mais comumente, as polícias militares têm realizado investigações e pedido de busca e apreensão que, com a concordância do Ministério Público, são autorizadas pelo Judiciário e cumpridas pelos próprios requerentes, em situações que propiciam a ocultação de abusos, perseguições e execuções. Iniciando pela investigação, passando pelos pedidos judiciais até o cumprimento dos mandados de busca e apreensão, momento inicial da (desrespeitada) cadeia de custódia pela identificação e coleta dos elementos de prova, os procedimentos criminais vão acumulando vícios inaceitáveis em um Estado Democrático de Direito e o acertado reconhecimento de nulidades processuais torna-se combustíveis para o discurso do Brasil como país da impunidade e, em movimento cíclico, é utilizado para alargar as arbitrariedades das polícias militares e a usurpação das funções da polícia judiciária. Em grande parte dos processos judiciais em que houve alegada prisão em flagrante há a utilização dos depoimentos dos policiais militares como elemento de prova, não raramente como o único, a fundamentar a persecução e posterior condenação, dispensando, inclusive, a realização de atos investigatórios. Nestes casos já ocorreria um controle do discurso acusatório (para não falar da própria condenação) pelos policiais militares, a concordância com a usurpação das funções investigativas resultaria na militarização e controle discursivo dos processos criminais no judiciário civil. Partindo de uma investigação genealógica, destacam-se dois movimentos no período da última Ditadura Militar brasileira que influenciaram e agravam o avanço das polícias militares contra as funções investigativas da polícia judiciária, identificados no fortalecimento da polícia militar como reserva das forças armadas e a introdução da doutrina da segurança nacional. Naquele período, a indefinição legal possibilitava a manipulação da competência criminal, tanto investigativa quanto processual, avocando a competência para o judiciário militar, conforme juízos de conveniência, em situação problemática paralela a atual. No trabalho objetiva-se demonstrar como a polícia militar usurpa, inconstitucionalmente, mas apoiada por decisões judiciais, as funções investigativas da polícia judiciária e o consequente retrocesso para a construção de um processo penal democrático. O método será o teórico ou bibliográfico, restringindo a pesquisa a trabalhos acadêmicos e jurisprudência. A pesquisa empreenderá investigação crítica que objetiva demonstrar, além da inconstitucionalidade, o perigo ao Estado Democrático de Direito e a possibilidade de ocultação da violência policial pela usurpação da função investigativa pela polícia militar.