O REFUGIADO COMO SER DE DIREITOS
ENTRELAÇAMENTOS ENTRE DIREITOS HUMANOS E LINGUÍSTICOS
Palavras-chave:
REFÚGIO, ACOLHIMENTO, HOSPITALIDADE, DIREITOS HUMANOS, DIREITOS LINGUÍSTICOSResumo
Nuñéz, psicóloga, filósofa e ativista indígena brasileira, defende um reflorestamento do imaginário. Reflorestar para a autora, significa entender-se como parte da natureza sem uma hierarquização humano/animal. Tal reestruturação do pensamento binário cartesiano aponta para a horizontalização das relações e para o questionamento do que é ser humano. No início dos processos colonizatórios, o estabelecimento de padrões de humanidade se deu, principalmente, por conta da religião e da língua. Aqueles que não partilhavam de um monoteísmo cristão eram considerados pessoas sem alma e nesse sentido também sem língua, porque não podiam falar sobre si e sobre sua religião na língua do colonizador. Justificava-se, assim, a dizimação de seres considerados não-humanos. Processos semelhantes aconteceram ao longo de toda a história, na qual os binarismos raciais, religiosos, linguísticos, étnicos guiaram o extermínio de diferentes seres sob óticas coloniais. Tendo isso em vista, o presente trabalho busca explorar como um determinado grupo social, no caso refugiados, narram a si mesmo e ao outro que o acolhe a partir de delimitações que traçam a sua não-humanidade em detrimento da humanidade do grupo acolhedor. Para tal, analisa-se trechos de entrevistas realizadas com pessoas em situação de refúgio no Brasil, especificamente no estado de São Paulo, com o intuito de compreender como narram a acolhida no Brasil, um país conhecido mundialmente por ser “hospitaleiro”. À luz de teorias decoloniais, percebe-se que, ainda que o Brasil tenha uma das leis de migração mais progressistas, impera sobre a relação com o outro refugiado a superioridade nacional daqueles que são brasileiros em contraposição aos que não o são. Nessa asserção, percebe-se a hierarquização decorrente de fronteiras políticas que marcam identidades nacionais e, consequentemente, desumanizam a pessoa em situação de refúgio. A língua, nesse cenário, ocupa lugar primordial nas relações de poder e na materialização de atos xenofóbicos. É na língua e pela língua que são construídos processos de diferenciação que, em vez de serem negociados, são exacerbados para que se afirme uma suposta homogeneidade do ser brasileiro. Na tentativa de ser caridoso, o acolhedor (seja ele representado pelo Estado ou pela sociedade civil) marca seu lugar de diferença, uma diferença que se funda, por meio do discurso, no próprio Estado-nação. Então, se é por meio da linguagem que os direitos são formulados, sejam eles Direitos Humanos, direitos linguísticos, direitos da pessoa em situação de refúgio, como garantir ao refugiado proteção e concretização desses direitos quando é por meio da própria linguagem que essas pessoas são desumanizadas? Nesse sentido, o ato da hospitalidade, nos termos de Derrida, fundado em uma hospitalidade incondicional, encontraria na linguagem o primeiro ato de violência, como evidenciam nossos participantes de pesquisa.