VIOLÊNCIA POLICIAL NO BRASIL E PURIFICAÇÃO DO CORPO SOCIAL

UMA REFLEXÃO A PARTIR DOS PROCESSOS DE MASSACRE E GENOCÍDIO

Autores

  • Renato de Oliveira Pereira UNESP, Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Filosofia e Ciências, Marília

Palavras-chave:

Violência Policial, Inimigo Interno, Purificação do corpo social, Massacres, Genocídios

Resumo

Os processos de massacre e genocídio são, antes de tudo, uma operação mental na medida em que é necessário definir previamente quem são os alvos, isto é, os inimigos a serem destruídos (Sémelin, 2009). Nesse sentido, a partir da reflexão sobre massacres e genocídios (Arendt, 2012; Bauman, 1998; Browning, 2023; Levi, 2004; Sémelin, 2009), o objetivo da presente comunicação é pensar a construção da figura do inimigo que é alvo da violência policial e o papel desta na sociedade brasileira. Trata-se de uma pesquisa de cunho teórico feita por meio da leitura seletiva das obras “Operários da Violência”, de Huggins, Haritos-Fatouros e Zimbardo (2006), e “Cidade de muros: crime, segregação e cidadania em São Paulo”, de Teresa Pires do Rio Caldeira (2011). A primeira obra nos interessa por investigar o processo de conversão de homens comuns em policiais torturadores e assassinos, sobretudo durante o período da ditadura militar brasileira (1964-1985), informando-nos acerca da modelagem da obediência à autoridade militar e da socialização dos policiais para a atrocidade contra os inimigos sociais – sejam os “subversivos” no contexto da ditadura, sejam os “criminosos” no período pós-transição. Por outro lado, a segunda obra nos interessa por demonstrar como as narrativas sobre o crime e os criminosos no contexto da cidade de São Paulo – a “fala do crime” – contribuem não para que os cidadãos possam elaborar os traumas das experiências de violência que eventualmente sofrerem, mas sim para aumentar a sensação de insegurança e o medo, de modo a reproduzir estereótipos negativos sobre grupos que são considerados como diferentes: negros, nordestinos e jovens de bairros periféricos, por exemplo. Para Caldeira (2011), esses estereótipos são utilizados para legitimar as práticas de violência e de segregação contra tais grupos na tentativa de garantir uma suposta segurança em detrimento dos direitos humanos e dos valores democráticos. E, como aponta Huggins, Haritos-Fatouros e Zimbardo (2006), grupos extralegais como os esquadrões da morte – compostos principalmente por policiais de folga do trabalho – são criados justamente para “limpar” a sociedade de modo mais “rápido” e “eficiente” com o intuito de estabelecer a ordem e a segurança. A partir de tais leituras, é possível compreender, portanto, como a violência extrema realizada por agentes policiais no Brasil opera com a lógica genocida da necessidade de purificação do corpo social (Sémelin, 2009). Esta necessidade é legitimada por narrativas e discursos que constroem a figura do inimigo, isto é, do mal que coloca em risco a segurança e a própria sobrevivência da sociedade. Ao fazê-lo, justifica-se a neutralização do inimigo, inclusive por meio de práticas atrozes e cruéis que fogem às regras formais do Estado democrático de direito, tal como ocorre nos processos de massacre e genocídio.

Publicado

02.10.2024

Edição

Seção

SIMPÓSIO On68 - SEGURANÇA PÚBLICA, MILITARISMO, VIOLÊNCIA POLÍTICA E FRAGILIZAÇÃ