VAGAROSO AMANHECER

UMA REFLEXÃO SOBRE OS DIREITOS DAS MULHERES REFUGIADAS SOB A LUZ DA OBRA “O POMAR DAS ALMAS PERDIDAS” DE NADIFA MOHAMED

Authors

  • Luana Cristina da Silva Dantas Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO)

DOI:

https://doi.org/10.29327/1163602.7-413

Keywords:

Direitos humanos, Mulheres refugiadas, Interseccionalidade, Hipervulnerabilidade

Abstract

Hannah Arendt acreditava que a literatura era caminho para pensar “...com a mentalidade alargada”. Kafka, por sua vez, dizia que a literatura funcionava como “...um relógio que se adianta ao tempo”. A literatura é, pois, “flor que rompe o asfalto” – na acepção drummondiana. Misterioso fecho de luz, capaz de iluminar (e alargar) a vida e aquilo que, até aquele momento, não havia sido enxergado. Quando aliada ao Direito, descortina o que há de mais humano, de mais justo e de mais falível nas normas e nas práticas jurídicas. Revela “a essência viva do direito” (HOGEMANN; LIMA JR., 2009, p. 70), aquilo que “é”, aquilo que “devia ser” medida de justiça, pois é via de acesso à experiência do mundo, via de acesso à experiência do outro. Nessa linha, a proposta do presente estudo se debruça sobre tema antigo, de sempre, sobre formas de opressão da mulher. Sobre os locais e vidas iluminadas pela obra “O pomar das almas perdidas”, de Nadifa Mohamed. Pretende-se cotejá-la, de um lado, com o mainstream jurídico de proteção à pessoa refugiada e, de outro, com as dinâmicas e nuances de perseguição relacionadas ao gênero feminino, manifestas na vida de mulheres em situação de conflitos e guerras, que apresentam vagaroso e inconcluso amanhecer nos conceitos e normas de proteção jurídica. A obra perpassa, sobretudo, o olhar de três mulheres somalis: Kawsar, uma viúva de aproximadamente sessenta anos; Deqo, uma menina de nove anos que, cativada pela promessa de ganhar seu primeiro par de sapatos, deixa o campo de refugiados onde nasceu e foi criada; e Filsan, uma jovem mulher-soldado a serviço do Estado autocrático. Todas diversas; todas enlaçadas pelo mesmo tempo histórico. A Somália de 1987, no livro retratada, está sob a vigia de uma ditadura militar. A ficção de Nadifa Mohamed principia com as celebrações de “21 de outubro”. Deqo, a menina refugiada, está na capital com outras crianças em igual condição para uma apresentação. Ela é "flor crescendo fora da terra” (p.23), o que descreve vividamente o campo de refugiados, “majoritariamente composto por mulheres e crianças” (ibid). Sua mãe foi acolhida no campo, para viver cercada “de refugiados que andam sem rumo, e que são invisíveis” (ibid, p. 17.). Pelos olhos de Deqo, Kawsar e Filsan, os disfarces da guerra, transmutados em “necessidades” variadas, são destacados sob a luz da experiência e da resiliência feminina. A obra recolhe termos e significados do Refúgio para mulheres. A privação de direitos básicos – em saúde, educação, emprego – são agravadas pela condição de gênero. A literatura nos coloca diante de dramas do cotidiano, convidando o intérprete e o direito a olharem-se de maneira crítica sobre si mesmos, também sobre a hipervulnerabilidade manifesta dessas mulheres. Como metodologia, o presente trabalho, tendo estrutura conceitual, adota a abordagem hipotético-dedutiva, através da qual se faz pesquisa qualitativa da bibliografia indicada e aporte normativo-jurídico, visando cotejar conceitos ético-jurídicos de pessoalidade, sujeição de direitos e alheamento legal-interseccional com as vivências das personagens.

Published

2022-12-31