VÍTIMAÇÃO DE PESSOAS TRANS EM CONTEXTOS DE TRABALHO SEXUAL

Authors

  • Nelson Ramalho Universidade Lusófona

Keywords:

mulheres trans, trabalho sexual, vitimação

Abstract

À semelhança do que ocorre com muitas outras ocupações e atividades profissionais, o trabalho sexual pode ser visto como uma fonte de realização pessoal mas, também, de sofrimento, opressão e exploração (Kempadoo, 1998). Em Portugal, devido à a-legalidade da atividade, os profissionais do sexo não têm acesso a direitos laborais e/ou segurança profissional e, com efeito, acabam por estar expostos a um sem número de riscos e vulnerabilidades. Sabe-se, por exemplo, que o risco de vitimação sobre trabalhadores sexuais é muito maior do que na população em geral (Potterat et al., 2004). Além do estigma e do preconceito, a investigação tem documentado consistentemente vários tipos de violências a que estão sujeitos no quotidiano da sua atividade (Alexander, 1988; Farley & Barkan, 1998; Oliveira, 2011; Matthews, 2014; Monto, 2004; Sanders & Campbell, 2007) e evidenciado que a violência perpetrada sobre quem trabalha em contextos de rua é mais frequente e severa do que sobre quem trabalha em contextos indoor (Campbell & Kinnell, 2001; Dalla, Xia, & Kennedy, 2003; Oliveira, 2011; Popoola, 2013; Pourette, 2005; Raphael & Shapiro, 2004; Sanders, 2005; Surrat, Inciardi, Kurtz, & Kiley, 2004). A maior parte destas investigações centra-se, no entanto, sobre as mulheres cisgénero, dado que elas compõem a maioria dos trabalhadores sexuais. Mas é no grupo das mulheres trans que ocorrem as maiores taxas de vitimação. Níveis alarmantes de incidentes, como insultos verbais, ameaças e intimidações, assaltos, roubos, agressões físicas, sequestros, tentativas de abuso sexual, violações e, inclusive, homicídios, têm sido reportados por vários autores (Cabral et al., 2013; Garcia, 2007; Lombardi et al., 2002; Lyons et al., 2015; Kulick, 2008 [1998]; Namaste, 2000, 2006; Pelúcio, 2005; Pelúcio, 2007; Reisner et al., 2009; Richmond et al., 2012; Santos, 2012; Sausa et al., 2007; Stotzer, 2009). A grande parte dos incidentes envolvem níveis extremos de crueldade e brutalidade resultando, por vezes, em morte. A dimensão da violência leva Currah e Minter (2000, p. 65) a caracterizá-la como uma “epidemia do ódio”. Ainda que algumas convenções internacionais (nomeadamente a Convenção Europeia dos Direitos Humanos) garantam o direito à vida, à liberdade de expressão e à segurança a todas as pessoas, as pessoas trans etnografadas em contextos de trabalho sexual de rua reconheciam que a sua atividade profissional apresentava um elevado grau de “perigosidade”, razão pela qual tinham medo da violência. Estes ataques atuavam como uma ferramenta “normalizadora” na medida em que eram usados, por um lado, para policiar, corrigir e domesticar (e, se for caso disso, eliminar) determinados sujeitos (considerados “indesejáveis”, a escumalha da sociedade) e, por outro, proteger os interesses dos que se encontravam em harmonia com a ordem de género.

Published

2022-01-06