OS OBSTÁCULOS IMPOSTOS PELA CULTURA MACHISTA AO RECONHECIMENTO DA MULHER TRANS E TRAVESTI COMO VÍTIMAS DE FEMINICÍDIO E O PAPEL DO JUDICIÁRIO
Keywords:
Machismo, Gênero, Feminicídio, JudiciárioAbstract
A cultura machista presente em nossa sociedade é responsável pela divisão de papéis entre os sexos, entre as esferas pública e privada, bem como determina os comportamentos aceitáveis por parte das mulheres e os gêneros que são inteligíveis e merecem proteção da lei. A redação da “Lei do Feminicídio” (13.104/2015), ao colocar a “condição do sexo feminino” como critério, deliberadamente excluiu as mulheres trans e travestis. A partir do pressuposto teórico de Judith Butler (2003) de que nosso sistema é construído para atender aos objetivos reprodutivos de uma heterossexualidade compulsória, e de Gayle Rubin (1993, p.11), que teoriza no mesmo sentido ao afirmar que “a organização social do sexo repousa sobre o gênero, a heterossexualidade obrigatória e a coerção da sexualidade feminina”, é preciso refletir acerca do impacto de tais decisões na vida (e morte) das mulheres trans e travestis, uma vez que, ao descaracterizá-las enquanto sujeitos de direito, as estruturas estatais negam e invalidam a existência de qualquer outro gênero que não masculino e feminino, revelando uma dupla vulnerabilidade. O resumo investigará o porquê desta escolha, analisando motivos discursivos, culturais e estruturais, a partir dos pressupostos teóricos de Simone de Beauvoir, Judith Butler e Mary Wollstonecraft. Também abrangerá discussões teóricas sobre o gênero, a fim de compreender onde se encontram os transgêneros e travestis e o lugar que ocupam na sociedade. Para Gayle Rubin, crítica da identidade de gênero exclusiva, esta “é a supressão de similaridades naturais” (1993, p.12) e que “o mesmo sistema social que oprime as mulheres [...] oprime todo mundo pela sua insistência numa divisão rígida da personalidade” (1993, p. 12). A análise do caso prático “Jéssica Oliveira” servirá como ilustração dos argumentos contra e favor da extensão da qualificadora do feminicídio às mulheres trans e travestis, bem como para analisar o papel do Judiciário para perpetuar a invisibilidade dessas mulheres, negando o reconhecimento de seu gênero até mesmo depois de sua morte, ou trazê-las à luz. A urgência da temática é demonstrada pelos números: o boletim nº 01/2021 divulgado pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais apontou que o Brasil chegou a 56 assassinatos – 54 mulheres trans e travestis e 2 homens trans – somente nos primeiros quatro meses deste ano, sendo 37% acima da média anual. Ademais, os casos apresentam requintes de crueldade e vítimas cada vez mais jovens, o que aponta para a possibilidade de crimes de ódio.